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Proteção jurídica contra o abandono: entenda a usucapião familiar


Quando um relacionamento chega ao fim, os desafios vão além do emocional. As implicações patrimoniais podem ser profundas, especialmente quando um dos cônjuges ou companheiros abandona o lar.


É nesse cenário que a usucapião familiar se apresenta como uma alternativa jurídica para proteger o direito de quem ficou no imóvel, muitas vezes cuidando dos filhos e preservando a estabilidade familiar.


O que é a usucapião familiar


A usucapião familiar é uma modalidade de usucapião que permite a um cônjuge ou companheiro adquirir a propriedade de um imóvel após o abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro. Mas, o que caracteriza o abandono familiar?


O abandono do lar não é apenas o afastamento meramente físico de uma das partes, mas também a ausência de assistência moral e material à família.


Nesse contexto, não há que se confundir o abandono do lar de forma voluntária e injustificada com a separação ocorrida pela impossibilidade de convívio conjugal.

O abandono do lar é mais do que isso: ele é – nas palavras de LEITE, George – o abandono moral e material da família pela ausência integral de assistência inclusive quanto ao pagamento de alimentos.


Veja:


"O abandono do lar consiste não apenas o abandono do imóvel, mas também o abandono da família moral e material. Quando o cônjuge deixar de prestar assistência moral aos filhos ou não paga a pensão alimentícia injustamente, sem pleitear a propriedade e a posse do imóvel em que o outro permaneça, pelo tempo de 02 anos ininterruptos, está preenchido o requisito conceitual de abandono de lar."
Logo, a usucapião familiar surge como um mecanismo de proteção ao cônjuge ou companheiro que foi deixado em situação de vulnerabilidade após o abandono do lar.

Logo, a usucapião familiar surge como um mecanismo de proteção ao cônjuge ou companheiro que foi deixado em situação de vulnerabilidade após o abandono do lar.


Requisitos da usucapião familiar





A modalidade de usucapião está prevista no artigo 1.240-A do Código Civil e tem como objetivo assegurar a propriedade definitiva do imóvel residencial urbano, desde que preenchidos os seguintes requisitos:


  1. Exclusividade da posse: O cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel deve exercer a posse com exclusividade por um período ininterrupto de 2 anos.

     

  2. Imóvel urbano de até 250m²: A área do imóvel não pode ultrapassar 250 metros quadrados.


  3. Finalidade de moradia própria: O imóvel deve ser utilizado como residência própria do possuidor e de sua família.

     

  4. Inexistência de outro imóvel: O beneficiário não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.


  5. Abandono: O ex-cônjuge ou ex-companheiro deve ter efetivamente abandonado o lar de forma voluntária e injustificada.


Esses critérios, além de evidenciar o abandono, buscam equilibrar os princípios da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, sendo um importante instrumento de justiça social no âmbito do direito de família​​.


Aplicações práticas da usucapião familiar


A história de Mariana (nome fictício) exemplifica bem como a usucapião familiar pode fazer a diferença.


Mariana, mãe de Luísa e João, viu sua vida mudar quando Pedro, seu marido, saiu de casa sob o pretexto de uma viagem de trabalho. O que começou como uma ausência temporária transformou-se em abandono completo. Pedro cortou contato e deixou de pagar a pensão alimentícia.


Sem suporte financeiro ou emocional, Mariana enfrentou dificuldades. Com coragem, ela buscou emprego e encontrou apoio em uma rede local de mulheres em situações semelhantes.


Unidas, essas mulheres compartilharam experiências e forneceram suporte legal e emocional umas às outras.


Mariana não só enfrentou os desafios como transformou sua vida. Sua resiliência foi um exemplo para seus filhos, e a usucapião familiar tornou-se uma ferramenta crucial para assegurar a estabilidade do lar.


Posição dos Tribunais de Justiça


O direito à usucapião familiar é amplamente reconhecido pelos Tribunais. Abaixo, algumas decisões judiciais que exemplificam sua aplicação prática:


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO FAMILIAR. ART. 1.240-A, DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS COMPROVADOS. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. - A procedência da ação de usucapião familiar está condicionada à comprovação do abandono do lar, posse mansa e pacífica, titular não proprietário de outro imóvel e não ter sido beneficiado pela mesma norma em outra relação, além da área máxima do imóvel de 250m²( CC art. 1.240-A) - O prazo de dois anos exigido para aquisição da propriedade com base na usucapião familiar inicia-se a partir da vigência da Lei nº 12.424 em 16/06/2011, que introduziu o art. 1.240-A, no Cód. Civil - Sobre o conceito de "abandono", constante do art. 1.240-A do Código Civil, o Enunciado nº 595 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal descreve que "o requisito 'abandono do lar' deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável" - Comprovado, de forma robusta, o preenchimento dos requisitos legalmente exigidos para a usucapião familiar, a declaração de domínio em favor da parte autora é medida que se impõe. (TJ-MG - AC: 10000211476288001 MG, Relator: José Marcos Vieira, Data de Julgamento: 18/05/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 16ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 19/05/2022)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO FAMILIAR DE BEM IMÓVEL. ART. 1.240-A DO CCB. (1) GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PEDIDO FEITO EM SEDE DE CONTESTAÇÃO QUE NÃO FOI EXAMINADO PELA JUÍZA DE DIREITO. CONCESSÃO NESSE MOMENTO. PEDIDO REFEITO EM SEDE RECURSAL. DESNECESSIDADE. QUESTÃO PREJUDICADA. (2) EXAME DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO FAMILIAR. ABANDONO DO LAR. OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 595 DO CJF. RÉU QUE, VOLUNTARIAMENTE, SE RETIROU DO IMÓVEL E DEIXOU-O COM A AUTORA, SEM OFERECER AUXÍLIO SIGNIFICATIVO À FAMÍLIA ABANDONADA. POSSE DA AUTORA QUE ERA PACÍFICA. RÉU QUE, CONFESSADAMENTE, ACEITAVA A VONTADE DA AUTORA SOBRE A DISPOSIÇÃO E UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE PARTILHA QUANDO JÁ ULTRAPASSADO O PRAZO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS. ART. 85 § 11º DO CPC.RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 17ª C. Cível - 0007696-86.2014.8.16.0160 - Sarandi - Rel.: Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho - J. 10.02.2020) (TJ-PR - APL: 00076968620148160160 PR 0007696-86.2014.8.16.0160 (Acórdão), Relator: Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Data de Julgamento: 10/02/2020, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 17/02/2020)

Essas decisões exemplificam a firme posição dos tribunais em favor da proteção do direito à moradia e da função social da propriedade, especialmente em contextos de vulnerabilidade familiar. Tal entendimento reflete a consolidação do instituto da usucapião familiar como um mecanismo de justiça e proteção social no direito brasileiro.


Conclusão


A usucapião familiar é mais do que uma questão patrimonial; é uma ferramenta de justiça e proteção social para famílias em situação de vulnerabilidade. Se você está enfrentando desafios semelhantes, não hesite em buscar orientação jurídica.




Atenção!


Esta publicação é meramente informativa e não substitui uma consulta com um advogado para esclarecimentos sobre um caso específico.

 


Vanessa Moliani da Rocha é advogada especializada em direito de família e sucessões, atuando no escritório Moliani da Rocha Advocacia.


¹LEITE, George. Capítulo XIX. Reflexões da Distinção da Natureza Jurídica de Domicílio, Residência, Moradia, Habitação, Lar e Imóvel In: LEITE, George. Curso de Direitos Fundamentais - Ed. 2022. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022



 
 
 

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